Novos tempos exigem novas réguas

Esses dias fui impactado no Instagram com um curso de formação em liderança para executivos de uma empresa relativamente conhecida. A chamada dizia que o grande diferencial dos líderes de hoje seria “dominar os números do negócio”. A peça terminava com a frase clássica: “O que não se mede, não se gerencia.”

E é com ela que gostaria de começar a minha reflexão: será esse o grande diferencial nos tempos que vivemos? Dominar números, ferramentas, conseguir “controlar” cada parte do processo do início ao fim?

E se passássemos a falar…

O que não se mede, se sente.

O que não se mede, se percebe.

O que não se mede, se experimenta.

O que não se mede, se pergunta.

O que não se mede, se dança junto.


Algo seria diferente?

Diversas áreas de estudo, da psicologia à neurociência, explicam que a repetição de frases, mantras, afirmações, lemas ou narrativas internas não são apenas uma prática mental, elas influenciam diretamente em como nosso cérebro constrói a realidade. Essa prática reforça caminhos neurais, cria atalhos mentais, sustenta padrões culturais, influencia a forma como percebemos o mundo e até molda nossas emoções e reações fisiológicas. E, desde a faculdade de Administração, fui atravessado por vários desses mantras corporativos. Frases curtas e fáceis de memorizar, faladas aos quatro ventos nos mais diferentes contextos, mas que talvez tenhamos passado pouco tempo refletindo seus significados e seu impacto. E talvez não tenha sido muito diferente para você.

A origem do famoso “o que não se mede…” remonta a 1883, quando Lord Kelvin, um renomado físico e matemático escocês, disse: “Quando você pode medir aquilo sobre o que está falando… você sabe algo a respeito; mas quando não pode medi-lo… o seu conhecimento é de um tipo pobre e insatisfatório.” O foco de Kelvin não era a gestão, até porque a ciência da Administração estava apenas dando os seus primeiros passos naquela época. Era uma busca por explicar e até mesmo validar como o conhecimento “verdadeiro”  aquele que é explicado através da ciência clássica.

Junto a Lord Kelvin, muitos outros pensadores buscaram formular leis universais, responder grandes perguntas existenciais e resolver problemas a partir dessa mesma ótica. “Penso, logo existo”, de Descartes; “Para toda ação há sempre uma reação oposta e de igual intensidade”, de Newton; e declarações como “A função do gerenciamento é pensar; a função do trabalhador é executar” ou “A produtividade aumenta quando cada movimento é controlado”, de Taylor, tornaram-se mantras que ajudaram a consolidar um modo de pensar baseado em causalidade, controle e previsibilidade.

Nossa sociedade se desenvolveu, nos últimos 150 anos, sob forte influência do pensamento científico e mecanicista — e nas empresas não foi diferente. Com raras exceções, estruturas organizacionais, práticas de gestão e estilos de liderança seguem derivados dessa lógica que enxerga o mundo como uma máquina: tudo teria uma relação linear de causa e efeito; controlar seria sinônimo de garantir ordem; pessoas seriam recursos; o futuro, algo previsível; e a verdade, alcançada apenas pela objetividade, enquanto subjetividade, emoção e contexto seriam tratados como ruídos.

E você, acha que as organizações estão preparadas para navegar e prosperar neste mundo cada vez mais volátil e incerto*?

Infelizmente, eu diria que não. Para mim, a Labuta Labs nasceu justamente como forma de questionar essa visão clássica, criando espaços de experimentação e aprendizagem que permitam explorar outras formas de ver e agir. Afinal, os problemas e desafios gerados por esse modelo não mais podem ser resolvidos por ele mesmo. É preciso algo, no mínimo, diferente.

Problemas de confiança e colaboração não se resolvem com números mais precisos ou ferramentas mais sofisticadas. O clima organizacional não melhora apenas com uma pesquisa anual, apenas com dados quantitativos e algumas recomendações. Inovação não nasce de uma pesquisa de mercado seguida de um pedido genérico para “pensar fora da caixa”. As pessoas não trabalham melhor só porque foram instruídas àquela função, nem se sentem seguras simplesmente porque alguém declarou que “aqui é um espaço seguro”. E metas não se cumprem apenas porque estão bem definidas e há cobrança constante entre as equipes.

Acho que podemos concordar nisso.

Mas se não é isso, é o que então?

Os caminhos são vários. Alguns já foram trilhados, e podemos aprender com eles, outros ainda estão sendo inventados. Por exemplo, por aqui, bebemos do pensamento sistêmico, da teoria da complexidade e do design estratégico, entre outras fontes, para lidar com os desafios dos nossos projetos e da própria Labuta. Seja qual for o caminho, sair do óbvio sempre exige coragem para questionar e esperança para sonhar.

Mas qualquer caminho diferente exige três coisas:

1. Aceitação: Reconhecer que talvez não estejamos preparados, e que certas “musculaturas” organizacionais atrofiaram por falta de uso. Talvez estamos usando réguas quebradas que já não cumprem sua função por completo.

2. Curiosidade: Recuperar o olhar de quem observa o mundo como se fosse pela primeira vez, como uma criança: curioso, atento e, principalmente, sem verdades absolutas. É preciso questionar o que parece ser óbvio e desaprender certezas antigas. 

3. Abertura: Disposição para experimentar novas abordagens, novas ferramentas e novos pontos de vista.

E por aqui, seguimos, mês a mês, vivendo e compartilhando um pouco dessa jornada com vocês.

Até a próxima!

*nos últimos anos está sendo usado muito a terminologia VUCA (volátil, incerto, complexo e ambíguo) para descrever o mundo de hoje. Porém, uma nova vertente já tem chamado de BANI (frágil, ansioso, não linear e incompreensível).


Referências:

  • Escândalo Wells Fargo: https://www.theguardian.com/business/us-money-blog/2016/oct/07/wells-fargo-banking-scandal-financial-crisis

  • Impacto negativo de trabalhar errado com números: https://pmc.ncbi.nlm.nih.gov/articles/PMC7901608/

  • Saúde mental no trabalho (OMS):https://www.who.int/news-room/fact-sheets/detail/mental-health-at-work

  • Aumento no número de afastamentos por saúde mental no Brasil: https://g1.globo.com/trabalho-e-carreira/noticia/2025/03/10/crise-de-saude-mental-brasil-tem-maior-numero-de-afastamentos-por-ansiedade-e-depressao-em-10-anos.ghtml

  • Heurísticas do Pensamento Científico: https://www.filosoficas.unam.mx/~sfmar/publicaciones/ERANA-MARTINEZ%202004%20Heuristic%20Structure%20Scientific%20Knowledge.pdf

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