(Alta) performance é (auto) conhecimento
“Seja um profissional de sucesso. É fácil, siga esses passos.”
Acho curioso como a gente tenta simplificar o que, na verdade, é profundamente complexo. Se fosse tão simples, talvez a gente não estivesse tão cansado. Como seres humanos, somos cheios de nuances, emoções, pensamentos e histórias, e, sinceramente, boa parte disso a gente nem sabe direito como funciona.
Por muito tempo eu vivi dentro da lógica da produtividade infinita. A ideia de que estar disposta é uma obrigação e que sentir cansaço ou incerteza é sinal de fraqueza era vívida: esteja pronta, esteja bem, entregue mais. Essa narrativa continua forte nas organizações e ecoa a crença de que, no mundo e no trabalho, a competição é acirrada e sobrevive o mais “forte”.
Mas será que força é mesmo sinônimo de dureza?
Arrisco dizer que o que chamamos de “força” muitas vezes é só a aparência de invulnerabilidade; a capacidade de aguentar a sobrecarga e seguir produzindo.
Eu me pergunto se é isso mesmo que queremos enaltecer nas organizações. Com o tempo, fui percebendo uma coisa: minhas emoções eram ótimos sinais.
Irritação, ansiedade e cansaço eram indicadores de que algo precisava de atenção. Perceber isso mudou a minha relação com o trabalho. Em vez de tentar fugir do desconforto, comecei a usar o que sinto como informação valiosa para refletir.
Não é que o tema seja novo. Em 2019, a Organização Mundial da Saúde incluiu o burnout como fenômeno ocupacional, e vemos diversos relatórios globais que apontam sérios riscos à saúde mental nos ambientes profissionais. Há décadas se fala em inteligência emocional como diferencial, e já existem revisões científicas mostrando que habilidades emocionais influenciam positivamente o desempenho no trabalho. É até intuitivo pensar que quem se conhece melhor toma decisões mais claras, se comunica com mais eficiência e cria relações mais saudáveis. Porém, mesmo com esse tanto de evidências, às vezes fico com a impressão de que muito se fala e pouco se pratica.
Conhecer a teoria não é suficiente. É preciso experimentar. Observar, testar e aprender na prática: perceber gatilhos emocionais, identificar sinais físicos e rever padrões de pensamento. Todas essas são práticas que nos ajudam a entender nosso próprio funcionamento.
Na minha experiência, o “mais apto” não é quem aguenta mais pressão e sobrecarga, mas quem consegue fazer melhores escolhas, priorizar, se posicionar e implementar uma estratégia clara no dia a dia.
Alta performance exige autoconhecimento. É um processo contínuo, que pede paciência e a desconstrução de crenças antigas sobre desempenho.
Não digo que escutar as emoções vá resolver todos os nossos problemas. É, inclusive, difícil tolerá-las e sustentá-las, especialmente no trabalho. Ainda assim, é difícil negar que elas trazem informações preciosas sobre quem somos, sobre o que merece atenção e sobre como podemos agir de forma mais inteligente. Não existe fórmula mágica para ser um profissional de sucesso. Ouso dizer que o caminho passa pela coragem de dar mais atenção ao que sentimos, e que isso costuma levar a muito mais do que sucesso profissional.
Referências
WHO: Burn-out included in ICD-11 as an occupational phenomenon: https://www.who.int/news/item/28-05-2019-burn-out-an-occupational-phenomenon-international-classification-of-diseases
Gallup: State of the Global Workplace / Employee wellbeing insights: https://www.gallup.com/workplace/349484/state-of-the-global-workplace.aspx
Daniel Goleman: Emotional Intelligence (1995).
Harvard Business Review: “What Self-Awareness Really Is (and How to Cultivate It)”: https://hbr.org/2018/01/what-self-awareness-really-is-and-how-to-cultivate-it