Do 7x1 ao 6x1: quem perde com o excesso de trabalho?
O projeto “Ócios do Ofício” nasceu com o objetivo de dialogar com a rede da Labuta Labs sobre o trabalho e seus dilemas, que estão conectados com a grande confusão da nossa contemporaneidade. Dá pra conectar esse assunto com gênero, com desigualdades, com tecnologia, com bem-estar, e essa lista realmente não tem fim – e não deve ter mesmo, se a gente estiver disposto a perceber como a vida é uma mistura de partes que se impactam.
No mês passado, a gente começou a puxar esse fio, e dar o segundo passo me fez pensar sobre por onde começar. Pedi ideias pros meus colegas, olhei em volta pra identificar o que tá quente… E achei. Para fazer sentido, preciso falar um pouco mais sobre mim: meu nome é Marcela, e além de sócia-fundadora da Labuta Labs, eu também sou aluna de mestrado em Geografia da Desigualdade Global na Freie Universität, em Berlim, na Alemanha. Isso significa que eu moro em um lugar mas vivo em dois países, dado que eu todos os dias abro meu computador e me transporto para o meu trabalho no Brasil, que acontece no fuso horário de lá, em português, nessa sociedade da qual eu faço parte desde que nasci. Em termos práticos, isso também significa que todos os dias eu interajo com o trabalho do Brasil, pela Labuta Labs, e com o trabalho da Alemanha, na universidade. Tentar comparar uma coisa com a outra traz várias diferenças e similaridades, o que é bem desafiador no meu dia-a-dia e exige que eu faça trocas de chave às vezes muito rápidas, mas por sorte falar e escrever sobre isso não faz com que mais ninguém tenha que optar por essa loucura que eu escolhi pra mim.
A Alemanha trabalha pouco.
Essa foi uma das primeiras coisas que eu descobri quando cheguei aqui, há 3 anos atrás. Meus amigos vão embora do trabalho cedo, qualquer desculpa é aceita para ficar em casa, sair antes do horário, muitos atestados e doenças sendo tratadas com descanso, realmente uma rotina muito mais leve – “essa gente tá com a vida ganha", eu pensei. Isso reflete em políticas estruturantes da organização do trabalho na sociedade: licenças parentais longas e compartilhadas entre mulheres e homens, férias contadas em dias úteis e picotadas ao longo do ano inteiro, salário mínimo alto e jornadas de trabalho frequentemente parciais (pessoas podem optar por trabalhar 50 ou 80% das horas semanais possíveis ganhando menos). Isso é possível mesmo frente a uma grande crise de mão de obra, dado que a Alemanha precisa muito de trabalhadores especializados em várias áreas – há anos, tem muito mais vaga de emprego aberta do que gente pra trabalhar. Tem quem diga que o PIB do país deixa de crescer de forma significativa por conta desse tanto de trabalho não feito por falta de gente. Há duas semanas atrás, vários jornais publicaram uma pesquisa recente sobre as cargas de trabalho dos diferentes países da Europa, onde a Alemanha se posicionou entre as sociedades que menos trabalham: a média por aqui é de 33,9h/semana.
Mas é claro que, como sempre, essa não é a rotina da totalidade desse país. Essa vida equilibrada e cheia de tempo pra lazer e família também convive com imigrantes e refugiados em condições de trabalho precárias, falta de moradia, falta de acesso à saúde e outros dilemas tantos que são trazidos para essa Europa que se fez Central depois de décadas de exploração de outros continentes. Eu acredito que outras sociedades trabalham para sustentar a riqueza que eu encontro à minha volta por aqui, apesar dessa conexão não ser óbvia ou simples. Ainda assim, talvez a lógica da meritocracia ainda nos sugira a ideia de que quem trabalha mais, estuda mais – ganha mais. Mas será?
O Brasil trabalha muito.
E enquanto isso, em mais uma tradicional batalha de titãs, a Câmara e o debate público têm argumentado contra ou a favor a possibilidade de uma escala de 44h/semanais, que podem ser distribuídas em 7 dias de trabalho para 1 de descanso – a tal escala 6x1. A proposta alternativa visa uma redução, para até 36h/semanais distribuídas em no máximo 8h/diárias, mas levanta dúvidas: o quanto o Brasil deixaria de crescer ao abrir mão desse volume de horas trabalhadas? Quem deixa de ganhar ao passo em que essa alteração transforma a realidade do trabalhador brasileiro? E pra onde vai a riqueza gerada pelo fruto do trabalho do brasileiro, que abre mão de tanto tempo da sua vida para dar conta do seu próprio sustento e para gerar riqueza para empresas e outras organizações do país?
Não tem resposta simples para essas dúvidas e, esperta que sou, eu não tenho a pretensão de responder essas dúvidas com essa breve newsletter. Na minha vida diária, a comparação entre a realidade do trabalho no Brasil e na Alemanha materializa todo dia mais um 7x1 – eles trabalham menos e ganham mais. Não é justo. E isso me faz querer trazer essa reflexão (e comparação) para esfera individual. Eu sinto que tenho trabalhado demais ou de menos? Quem enriquece com o fruto do meu trabalho? O que ele gera para a sociedade e quem tem se beneficiado por isso? O quanto o meu trabalho tem atrapalhado ou viabilizado a realização das conquistas da tua vida? No mês que vem a gente continua falando mais sobre isso! Até lá.
Fontes e recomendações
https://www.dw.com/pt-br/na-alemanha-se-trabalha-menos-que-em-outros-países-mostra-estudo/a-72606517
https://ec.europa.eu/eurostat/web/products-eurostat-news/w/ddn-20250514-1